Esquema usava tecnologia de ponta e corrupção para emitir benefícios fraudulentos em escala industrial. MPF já denunciou 80 pessoas; prejuízo supera R$ 318 milhões.
Em uma ação que expõe a sofisticação do crime organizado contra o erário, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou sua quinta denúncia na Operação Tarrafa. A investigação desmantelou uma organização criminosa especializada em fraudar o Seguro-Defeso do Pescador Artesanal, causando um prejuízo de R$ 318,4 milhões aos cofres públicos.
O esquema, que operava entre 2020 e 2021, combinava cibercrime, corrupção de agentes públicos e falsificação em massa para processar mais de 110 mil requerimentos fraudulentos.
A Engrenagem do Crime: Hackers, "Laranjas" e Máquinas Virtuais
A atuação da organização era compartimentada e lembrava uma empresa de tecnologia do crime. O MPF detalhou os pilares do esquema:
Invasão e Sites Falsos: Hackers invadiam sistemas do INSS e de outros órgãos para roubar credenciais de servidores. O grupo também criava sites falsos idênticos aos portais oficiais do governo para enganar vítimas e facilitar as fraudes. Um próprio gerente do INSS foi acusado de criar alguns desses sites fraudulentos.
Certificados Digitais Fraudulentos: Uma célula especializada forjava documentos de identidade e aliciava "laranjas" para obter certificados digitais em nome de servidores públicos, contando com a conivência de agentes registradores.
Produção em Massa: Com as credenciais roubadas, os criminosos alugavam máquinas virtuais em serviços de nuvem para inserir os benefícios fraudulentos em escala industrial. Apenas oito dessas máquinas foram responsáveis por mais de 64 mil requerimentos, que drenaram R$ 174,3 milhões dos cofres públicos.
Como a Fraude Acontecia na Prática
A organização explorou falhas no sistema que permitiam que uma mesma pessoa recebesse múltiplos benefícios ao mesmo tempo. Bastava alterar a bacia hidrográfica informada no requerimento.
Um caso extremo citado pelo MPF é o de um suposto pescador do município de Soure (PA) que recebeu seis pagamentos em 2020 para períodos sobrepostos, cada um vinculado a uma bacia diferente, totalizando mais de R$ 25 mil.
A corrupção no esquema era profunda. Lideranças de sindicatos e colônias de pescadores atuavam arregimentando pessoas que, muitas vezes, nem eram pescadoras, para receber o benefício ilegalmente. Em um depoimento, uma mulher admitiu ter recebido R$ 4 mil e devolvido R$ 2,5 mil a um intermediário, confessando que não era pescadora.
Lavagem de Dinheiro: Fazendas, Carros de Luxo e Empresas de Fachada
Os R$ 318 milhões desviados eram "lavados" por uma complexa rede para parecerem lícitos. A investigação identificou:
Contas bancárias de laranjas e familiares.
Empresas de fachada de terraplanagem e eventos.
Aquisição de bens de alto valor, como fazendas, veículos de luxo e um posto de combustível.
Uma empresa de terraplanagem foi o principal canal de movimentação, recebendo quase R$ 15 milhões. Em áudios interceptados, um dos gestores do esquema orientava sobre como usar o dinheiro da venda de ingressos de shows para "limpar" o dinheiro perante a Receita Federal.
A Operação Tarrafa
A operação que desarticulou a fraude foi deflagrada em março de 2022, com a execução de 180 mandados de busca e apreensão e 35 prisões preventivas em 12 estados. As investigações, que começaram em 2020, contaram com um grupo de trabalho que reuniu Polícia Federal, INSS, Caixa Econômica Federal e Dataprev.
Com a quinta denúncia, o MPF totaliza 80 pessoas denunciadas por crimes como estelionato, lavagem de dinheiro, corrupção e inserção de dados falsos em sistema informatizado. O caso segue sob análise da Justiça Federal

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