Ação estratégica do Ministério Público Federal assegurou a revogação de lei que ameaçava o ensino presencial e destacou o direito à consulta prévia, um princípio crucial para a justiça climática que será debatida na conferência global em Belém.
Em uma vitória celebrada como um marco para os direitos dos povos originários e tradicionais, uma mobilização apoiada pelo Ministério Público Federal (MPF) resultou na revogação de uma lei estadual no Pará que ameaçava a educação de qualidade em territórios indígenas e quilombolas. O caso, que ganhou contornos de exemplo global, reforça a conexão direta entre a garantia de direitos fundamentais e a eficaz proteção do meio ambiente, tema central da próxima COP30.
No início de 2025, a promulgação da Lei Estadual nº 10.820/2024, feita sem a consulta prévia determinada por convenções internacionais, acendeu um alerta. A norma extinguia garantias legais de ensino médio presencial dentro dos territórios tradicionais. Em resposta, lideranças de diversos povos ocuparam a sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), em Belém, em um protesto pacífico.
A Atuação Decisiva do MPF
O Ministério Público Federal entrou em cena com uma atuação em múltiplas frentes para proteger os manifestantes e mediar o conflito. As ações incluíram:
Garantia de Condições Básicas: Acionou a Justiça Federal para assegurar o fornecimento de água, alimentação e segurança aos ocupantes.
Defesa do Protesto: Impediu a reintegração de posse do prédio solicitada pelo governo estadual, defendendo a legitimidade da manifestação.
Diálogo Representativo: Requisitou que o governo comprovasse a representatividade de todos os povos nas negociações, e não apenas de uma única entidade.
O Ponto de Virada: A Audiência no Território Ocupado
Um dos momentos mais simbólicos do conflito foi a suspensão da ordem de desocupação e a realização de uma audiência judicial dentro da própria Seduc ocupada, a pedido do MPF. A juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo ouviu diretamente as lideranças, em um ato considerado histórico.
"Estou bem emocionada com esse momento histórico. Hoje a Seduc é o nosso território e o direito é a chave para encontrá-lo. E a justiça, hoje, está se fazendo. Porque a juíza federal veio ao nosso território. Veio ver, veio ouvir", celebrou a liderança indígena Auricélia Arapiun.
No local, as lideranças rebateram acusações de vandalismo. "Em nenhum momento quebramos nada. Em nenhum momento impedimos ninguém de trabalhar", afirmou a indígena Alessandra Korap. Josias Santos, liderança quilombola, destacou o cerne da luta: "A falta de ensino de qualidade facilita a invasão das comunidades pela monocultura e mineração, e expulsa os estudantes para as periferias das cidades".
A inspeção judicial confirmou o caráter pacífico do ato, levando à revogação definitiva da ordem de desocupação e, posteriormente, à revogação da lei estadual.
A Conexão com a COP30 e a Defesa da Floresta
Para os procuradores da República envolvidos, a vitória vai além da questão educacional. Ela estabelece um precedente vital para a Conferência do Clima da ONU (COP30), que Belém sediará.
"Garantir que eles tenham voz sobre as políticas que os afetam diretamente, como a educacional, é fortalecer a principal linha de defesa contra a crise climática", avalia o procurador da República Rafael Martins da Silva.
Seu colega, o procurador Felipe de Moura Palha, reforça a ligação. "O que vimos na Seduc foi um microcosmo do que precisa acontecer em escala global: a substituição da imposição pela escuta. A voz que defendeu a escola na Seduc é a mesma voz que precisa ser ouvida com protagonismo na COP30", conclui.
Combate à Desinformação
Mesmo após a vitória, o MPF seguiu atuando. Diante de vídeos do governador Helder Barbalho que classificavam o movimento como baseado em "fake news", o órgão, junto com a Defensoria Pública da União (DPU), moveu uma ação para garantir o direito de resposta às comunidades. A Justiça acatou o pedido, mas a decisão não foi cumprida, levando o MPF a requisitar multas pessoais ao governador e o bloqueio de suas redes sociais até que o direito de resposta seja garantido.
A vitória no Pará demonstra que o direito à educação de qualidade e ao território é inseparável da luta por justiça climática, ecoando um princípio que deve ressoar fortemente durante a COP30.
Fonte: Comunicação/MPF/PA
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